terça-feira, 13 de novembro de 2007

CONSAGRAÇÃO RELIGIOSA

Monte Real, Leiria.
8 de Setembro de 2006.
No Mosteiro de Santa Clara, a Maria de Lurdes, uma jovem de S. Miguel da Guarda, professava solenemente na Ordem de Santa Clara. Esse dia, é o fruto de uma longa caminhada da descoberta de Deus e do chamamento que lhe dirigiu. Aqui fica o seu testemunho que é, simultaneamente, um desafio:

V.A.- Como explicas a Vocação?
Maria de Lurdes: A história da vocação é sempre inexplicável. As palavras humanas são insuficientes. É um mistério de amor que tem origem em Deus, é Ele quem toma sempre a iniciativa. Ele diz: “Estou à porta e chamo; se Me abrires a porta, entrarei em tua casa e cearei contigo” (Ap 3, 20)
Impelida pela força do Espírito Santo a seguir as pegadas de Jesus pobre, obediente, casto e “enclausurado” no sacrário, Aquele que totalmente se entregou ao Pai, cumprindo plenamente os Seus desígnios, aceitei o desafio à radicalidade de uma entrega total.

- Terá sido fácil para ti, tal “radicalidade”?
Apesar de eu dizer: tudo, menos a Vida Religiosa! E… clausura nunca! Após inúmeras resistências e oposições à Sua vontade, ao perceber o Seu projecto de amor para mim, tive de me render, porque Ele é mais forte. E, ao meu coração, Ele segredou numa voz perceptível: “Vem e segue-Me!”
Quem poderá furtar-se à força do Seu amor? Ele tudo abrange…

- Recordas alguns factos ou datas marcantes da tua caminhada vocacional?
No crepúsculo daquele dia 16 de Junho de 1997, o Amor omnipotente arrancou ao meu coração um sim consciente, que eu quero pleno e disponível aos seus desígnios. Agora, era preciso descobrir onde e quando o coração de Deus tinha marcado o meu lugar, qual a hora.
A Virgem Imaculada não tardou em vir conduzir-me, pela mão, a Monte Real.
No dia 27 de Agosto de 1998, ao conhecer as Irmãs Clarissas deste Mosteiro, mesmo sem querer, fui apanhada e fiquei presa à porta do sacrário, quando diante do Senhor me prostrei, de alma ajoelhada. No Coração de Deus coloquei toda a minha existência, a minha vocação, pois, num certo dia 17 de Maio de 1997, o Espírito Santo havia-me feito sentir e compreender que só na radicalidade se consome o verdadeiro amor. Descobri que só Cristo é o caminho para o Pai, a Verdade única e imutável, a Vida que não morre, a Fonte pura de felicidade.
No mais íntimo de mim mesma ressoou: “Amei-te com amor eterno”. “A Deus nada é impossível!” (Lc 1, 37).

- Não tens receio, perante o grande desafio que aceitaste, de vacilar… de te arrependeres?
Pelo amor, Jesus far-me-á chegar ao cume do Tabor, onde se revelará em plenitude e nenhum obstáculo conseguirá deter-me, se eu for firme e resoluta na minha decisão. Ele fez-me, então, descobrir que o coração humano não pode encontrar a saciedade plena na criatura, pois só o infinito corresponde às suas profundas aspirações: “ao deserto te conduzirei para aí te falar ao coração” (Os 2, 16). Só Deus lhe pode dar a plenitude.
Escolhi, por isso, um Esposo Eterno, que a própria morte jamais conseguirá roubar-me. Descobri a minha vocação: ela é precisamente essa aliança de amor que Deus quis fazer comigo e que agora é selada pela Profissão Solene. Esta engloba quatro votos: Pobreza, Obediência, Castidade e Clausura.

- Fala-nos, um pouco, sobre esses votos ou compromissos.
A pobreza significa deixar para trás tudo o que escraviza, e encontrar o caminho livre que conduz só a Deus, à plenitude. A Pobreza atinge a sua expressão plena e desconcertante precisamente na clausura.
A obediência leva-nos a cumprir unicamente a vontade de Deus. Longe de nos atrofiar ou limitar, conduz-nos à autêntica liberdade dos filhos de Deus que, destemidamente, com Ele se comprometem. O homem só é livre quando se coloca inteiramente nas mãos de Deus!
A castidade consiste em deixar-se possuir absolutamente por Deus e conservar um coração puro e indiviso, que não se afasta do Criador. Mediante a castidade, a Irmã Clarissa realiza a sua plena consagração, aderindo Àquele que é o único necessário e imutável.
Pela clausura, o amor da Irmã clarissa não tem fronteiras nem limites. Em Cristo, ela abraça o Universo. A sua vocação é o amor que a torna missionária a tempo inteiro.

- A clausura parece, visto de fora, o mais difícil. Qual é o segredo?
Só a força deste amor seduz uma jovem à clausura. E, sem ele, como seria possível a opção pela clausura? A Irmã Clarissa retira-se a sós com o Mestre e recebe o que só Ele pode e sabe dar àqueles que O seguem. Qual outro Moisés, permanece em oração sobre o monte, torna-se sentinela vigilante na casa de Deus e a ponta do diamante. Sentinela que vigia sem cessar, à espera da aurora, diamante que corta, pela raiz, toda a ambição fora de Deus!

- A vida da Irmã Clarissa é, essencialmente, contemplativa. O que significa isso?
A vida contemplativa é uma busca incessante de Deus e o eterno desejo de contemplar o mais belo dos filhos dos homens, até poder dizer como S. Paulo: “Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim!” A luz de Deus fez-me ver que “as águas torrenciais não conseguem apagar o amor, nem os rios o podem submergir” (Cant 8, 7), mesmo quando este se encontra “oculto” na clausura!
As vidas “escondidas” na clausura, são o “Coração da Igreja”, como disse o papa João Paulo II. Assim, a vida de uma Clarissa, é uma vida para Deus, a Ele plenamente entregue, consagrada e dedicada em cada instante. Ainda que separada do mundo, jamais poderá ignorar e esquecer vicissitudes, sofrimentos, necessidades e as ansiedades que a humanidade inteira carrega sobre si mesma.
Segundo Santa Clara, a Clarissa, deste modo, torna-se “colaboradora do próprio Deus e suporte dos membros mais débeis do “Corpo Místico de Cristo”.

- É esta, portanto, a vida que escolheste para ti?
O olhar divino que seduziu Santa Clara foi o que me seduziu e marcou a mim. Chamou-me a um lugar apartado para me guiar rumo ao infinito: “Ao deserto te conduzirei para te falar ao coração”. Esse lugar, no meu caso, é a clausura.
Se a clausura, antes, estava excluída dos meus horizontes e opções, agora traduz a radicalidade de uma opção, de uma entrega a Deus, o anseio da plenitude, que me impele para Aquele que me fascina.

- Hoje terá ainda sentido a vida de clausura?
Na clausura, faz-se ecoar o grito duma fé inabalável como a de Santa Clara: “A alma fiel torna-se mais digna de todas as criaturas, mesmo maior do que o Céu. A alma crente transforma-se em mansão e trono de Deus”. E, assim, Clara bastou para dizer que a vida é bela quando Deus a preenche.
Talvez hoje, como nunca, a radicalidade seja a palavra que mais seduz os jovens. Para mim, a clausura é parte do amor que quero retribuir ao Senhor com radicalidade, pois Ele deu a Sua vida por mim. Nesta sociedade tão voltada para lucros fáceis, para o imediato, escutemos o convite do Mestre junto ao lago: “Faz-te ao largo!”
Tu, se és jovem como eu, não hesites, não temas, diz um Sim radical a Deus.

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