domingo, 30 de novembro de 2008

ETTY HILLESUM, poema de Deus (parte I)


Etty Hillesum nasceu a 15 de Janeiro de 1914 em Middelburg (Holanda). Ainda criança, mudou-se com a família para Deventer. Foi nessa cidade que cresceu e fez parte dos seus estudos, rumando a Amesterdão aos 18 anos de idade, para estudar Línguas Eslavas. Em Fevereiro de 1941 conheceu o psicoquirologista Julius Spier, com quem iniciou um tratamento. Spier esteve na origem da aproximação de Etty a Deus (embora de origem judaica, a sua educação fora pouco orientada pela religião).
A 8 de Março de 1941 (tinha ela 27 anos) começou a escrever um diário onde encontramos as suas reflexões pessoais e sobre a humanidade, o seu gosto pelo estudo e literatura, o círculo de amigos e o seu testemunho da segunda Guerra Mundial em território holandês.
Em Julho de 1942 começou a trabalhar como dactilógrafa no Conselho Judaico. Ter um emprego era condição obrigatória para não ser deportada. Todavia, Etty decidiu voluntariar-se para prestar apoio no campo de trânsito de Westerbork, onde muitos judeus trabalhavam e viviam em barracas, antes de serem levados para os campos de concentração e extermínio.
A 6 de Setembro de 1943, Etty era deportada para Auschwitz, vindo a falecer a 30 de Novembro desse ano. Tinha 29 anos.

Mas o que mais impressiona no seu diário é a sua espiritualidade, nascida de quase nada, e que se tornará uma luz no meio dos horrores da IIª Guerra Mundial. Através da leitura da Bíblia e da oração aproximou-se do cristianismo até ao dom absoluto de si, na abnegação total. O mais espantoso foi ter preservado, com uma admirável constância, um amor à vida e uma confiança inabalável no homem apesar de testemunhar os crimes e atrocidades infligidos aos da sua raça.
O que torna Etty tão próxima de nós foi a caminhada que ela soube fazer, de uma vida por vezes marcada por alguma superficialidade e frivolidade, tão comum nos dias de hoje, para uma profundidade e autenticidade na sua relação com os outros e, sobretudo com Deus. Enquanto na boca de tantos surgia o grito, tremendo e legítimo, “Onde está Deus?”, Etty, na sua simplicidade ia, inconscientemente, respondendo: “Vou-te ajudar, meu Deus, a não Te apagares em mim… É tudo quanto nos é possível salvar nesta época, e é também a única coisa que importa: um pouco de Ti em nós, meu Deus.” Ou ainda: “O que importa é levar-Te comigo [Deus], intacto e preservado, para todo o lado e de permanecer-Te fiel, contra tudo e todos, tal como o prometi.”
Da penosa experiência no campo de Westerbork , dirá: “foram os meus meses mais intensos e ricos”.

Em todas as humilhações perpetradas contra os judeus, Etty sente-se livre. “Não sinto que esteja nas garras de ninguém, só sinto estar nos braços de Deus.” Como é isso possível? Etty Hillesum escreve: “Não existe um poeta dentro de mim, há sim um pedaço de Deus em mim que poderia desenvolver-se até se tornar um poeta”. Foi este o modo de atravessar a vida que ela escolheu. “Quando temos uma vida interior, pouco importa, sem dúvida, de que lado das grades de um campo [de concentração] nos encontramos.”

Campo de Westerbork

Continua...

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