quinta-feira, 3 de abril de 2008

ARISTIDES DE SOUSA MENDES, o cônsul injustiçado

Cônsul português em Bordéus, em 1940, Aristides de Sousa Mendes concedeu vistos aos refugiados da II Guerra Mundial que fugiam do ódio de Hitler. Desobedecendo às ordens de Salazar, este “Justo” abriu a porta da liberdade a 30 mil pessoas, entre as quais 10 mil judeus. Segundo Yehuda Bauer, Aristides levou a cabo “a maior acção de salvamento jamais realizado por alguém durante o Holocausto”. Porém, o seu gesto não foi fácil.
Aristides nascera a 19 de Julho de 1885 em Cabanas de Viriato, perto de Viseu, numa família aristocrata, abastada e profundamente católica. É em 1938 que chega a Bordéus, após uma carreira diplomática que o levou de Zanzibar aos Estados Unidos e passando pelo Brasil. De bela aparência e de elegância sóbria, possuía uma esplêndida morada na sua terra e era pai de 14 filhos. Tinha tudo para ser feliz. Ou talvez não!?
Em Maio de 1940, fugindo das forças alemãs, centenas de milhares de refugiados encontram em Bordéus. Muitos deles acorrem às portas do consulado português. Sendo Portugal um país neutral nessa guerra, Lisboa tornou-se a cidade a atingir como saída para a liberdade, embarcando daí para a América. O importante, é conseguir sair de França. Aristides hospeda em sua casa um desconhecido com a sua família: um rabino judeu Jacob Kruger. É uma conversa entre ambos que iluminará a consciência do cônsul português: “Não somente a mim que é preciso ajudar, mas todos os meus irmãos que arriscam a morte”. O peso desta verdade prostrou o diplomata três dias de cama, sem falar.
Ao terceiro dia reergueu-se, cheio de uma nova energia: decidira conceder vistos a quantos lho pedissem. Em poucos dias, assinará milhares deles. Acabados os formulários oficiais, são pedaços de papel que fazem ofício: o que importa é a sua assinatura e o carimbo consular. Assim será das 8 da manhã até às 3 da madrugada.
Todavia, em Lisboa a visão é outra. Aristides de Sousa Mendes é avisado: “qualquer outro erro seu será considerado desobediência ao poder e acarretará um processo disciplinar”. Salazar, que na época acumulava a pasta de Primeiro-ministro e o ministério dos assuntos estrangeiros, fizera saber que não fossem concedidos vistos a pessoas vindas de Leste e judeus. Era preciso impedir a entrada de “pessoas indignas” em território nacional. O cônsul português de Bordéus pensa de outra forma: “Se tenho de desobedecer, que seja à ordem de um homem e não à de Deus”. “Se tantos judeus sofrem nas mãos de um cristão, Hitler, nada há de chocante que um cristão sofra por tantos judeus”.
A 22 de Junho, a França capitula.
A chegada dos nazis resume-se a uma questão de horas. Dois funcionários do governo português são enviados para dar ordem de regresso a Portugal ao cônsul rebelde. Na viagem, pára em Bayonne, sub-consulado. Ao ver uma grande multidão, desce e questiona o vice-cônsul aí responsável que obedece fielmente às ordens de Lisboa. Aristides impõe-se como ainda seu superior e assina ele próprio mais vistos, de pé, em plena rua. Ao chegar à fronteira de Hendaye depara-se com nova multidão que beneficiara dos seus vistos. A fronteira está fechada para eles. Aristides convida-os a seguir o seu carro em marcha lenta. Decide-se por outra rota, através de um posto fronteiriço sem telefone e que, por isso ainda não tinha recebido ordens do governo português. Aristides de Sousa Mendes, qual novo Moisés, seguindo por centenas de refugiados, passa a fronteira, conduzindo-os para a liberdade.
Mas em Lisboa, o castigo não tarda: é-lhe retirada a carteira diplomática, com redução drástica na pensão. Aristides vê-se impossibilitado de cuidar dos seus filhos. Muitos serão enviados para os Estados Unidos, agora ajudado por judeus que ele salvara. É obrigado a vender a maior parte dos seus bens. A sua mulher falece em 1948. Os amigos abandonam-no. Quando morre, a 3 de Abril de 1954, nem sequer tem roupa decente para ser enterrado.
Somente em 1987, quase cinquenta anos depois dos factos, será reabilitado pelo governo português. Mais vale tarde do que nunca.
Em Israel, existe uma floresta de 10 mil árvores, a recordar as vidas por ele salvas. E o exemplo da sua conduta, dirigida pela sua consciência cristã, não desaparecerá jamais.

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