sábado, 15 de março de 2008

COMPANHEIROS DE JESUS (II)

Eis a segunda parte (de três) da entrevista feita aos nossos amigos noviços jesuítas que estão de passagem pela Covilhã. Hoje ficamos com a partilha do Miguel.

Qual te parece ser o contributo e actualidade da Companhia de Jesus para o mundo e para a Igreja?
Que significa, hoje, um jovem entregar-se a Cristo e à sua Igreja?

Tenho a impressão que o mundo, como Reino de Deus em construção, está em constante evolução, como se de uma batalha se tratasse com diversas frentes que vão desde a ciência, à tecnologia, à política, à religião e às diversas culturas. Estou mesmo convencido que todas estas frentes, que têm tanta importância no mundo actual, portam em si traços do Espírito de Santo. Que é que isto que dizer? Quer dizer que o mundo vai de bem para melhor, porque em cada parte do mundo, embora ainda com muitas falhas, tudo se vai encaminhando para o que Jesus nos propõe no Evangelho, através de maior consciência dos direitos humanos, direitos das mulheres, direitos dos trabalhadores… Não como uma politização ou massificação da religião, mas como devolução da dignidade de Filhos do ‘Pai Nosso’, a cada pessoa. No fundo, para que cada pessoa seja mais parecida com Jesus e saiba ver Deus ‘chapado’ nos seus irmãos. Para aí nos encaminhamos aos poucos no o jogo da graça do PAI e da liberdade de cada filho.
Se caminhamos para Cristo precisamos de momentos constantes de viragem, a partir de dentro para fora, para marcar rotas, firmar passos e pontos de referência para o futuro, nos momentos em que temos de voltar a trás com o coração da memória, para irmos mais em frente. Marx dizia que a humanidade evolui com as revoluções que vão surgindo ao longo da história, como que um avanço que surge do confronto. Neste ponto concordo com ele, porém acho que a revolução já aconteceu. A revolução, o momento confronto-avanço, foi a encarnação, morte e ressurreição do Senhor! A vida de Cristo é a revolução que nos mostra a eternidade que está escondida no presente, que só se nos é revelada nos momentos em que damos a vida por alguém nas pequeninas coisas do dia-a-dia.
No fundo o que quero dizer é que a Companhia, como parte deste corpo maternal que é a Igreja, com qualidades e defeitos como qualquer mãe, deverá dar o seu contributo na actualização da única REVOLUÇÃO da história, a vinda de Cristo. Actualiza-la para tornar historicamente presente o eterno. Actualiza-la porque Jesus não está em cima das nuvens, num trono distante e perdido… está cá em baixo a construir o Reino connosco. Actualiza-lo para construir um mundo mais ecológico onde os mais pobres não tenham de padecer de queimaduras por exposição ao sol provocado pela maior abertura do buraco do ozono só porque há algumas pessoas que não sabe o que é o CFC, a isto Jesus diria: “De que te serve ganhar o mundo inteiro (poder económico, beleza, eficácia produtiva) se vieres a perder a tua vida?”; um mundo em que a comunicação social nos faça saber dos problemas dos países longínquos mas que também nos faça ter em conta os problemas que se passam ao nosso lado e do tanto bem silencioso que existe no mundo, a isto Jesus diria: “queres tirar o argueiro da vista do teu irmão (Africa, América Latina) e não vês a trave que tens à frente dos olhos (Europa, Portugal, Covilhã)”; um mundo em que a globalização não marginalize os ‘sem-voz’ que se têm de sujeitar a propostas que pequenos grupos de influência fazem, aos quais Jesus diria: “as propostas foram feitas para o Homem e não o Homem para as propostas”; um mundo onde a fome de comida e de vida “fossem uma coisa do passado” como disse o Bono Vox, em que não se prevalecesse a injustiça actual de 20% da população mundial possuir 80% dos recursos terrestres, a isto Jesus diria: “Dai-lhes vós mesmos de comer”; um mundo em que a Igreja não respondesse aos problemas de hoje com respostas de ontem, mas falasse ao coração como Deus fala, a isto Jesus diria: “aquilo que vos disse ao ouvido proclamem agora sobre os telhados”.
É esta a nossa missão dentro da Igreja. É darmo-nos ao mundo, como Cristo que não deu a vida virado para a cruz mas virado para o mundo. Não entendo uma entrega a Cristo que não seja entrega ao mundo… desde a acção apostólica até ao Carmelo. Acontece que não somos membros de uma corporação de solidariedade, nem ritualistas, ou pelo menos não é o que Deus sonha como a forma de o servirmos. Isto para dizer que sem oração não há apóstolo, não há Igreja! Se não aprendermos a falar de coração com Cristo, se não aprendermos o seu jeito de falar, estar, amar, ‘curar’, abraçar, ouvir, nunca haveremos de servir real e desinteressadamente os outros, como alguém que se vê como “expropriado por utilidade pública” em nome do Senhor Jesus. Há amigos meus que acham que eu perdi a liberdade e que por isto sou um ‘pau mandado’ de uma ideologia cor-de-rosa. Por sua vez eu acho que, ao entregar-me, em Igreja, com Cristo ao mundo, Ele mesmo vai libertando a minha própria liberdade, dia após dia.

1 comentário:

Tomé disse...

muito bem.... sinestezia perfeita diacronia sintetizada.. aquiscência total e incondicional com a verdade fundamental escrito!! enfim, está porreiro.. ;)